O que é sustentável?
25 NOVEMBRO 2020
Sustentabilidade. Será que esta palavra se tornou apenas em mais um click-bait? Depois de anos a ler sobre o que será realmente esta ideia de sustentabilidade ambiental e hoje estou mais convencida que nunca que à custa da sua marketização, que ela perdeu todo o seu significado original, isto é, passou a significar aquilo que se quer que signifique, o que é o mesmo que retirar toda a carga política e crítica do termo, para que passe a ser uma “convenção” que serve qualquer propósito: já temos carros sustentáveis, moda sustentável, combustíveis sustentáveis.
Há algumas décadas atrás não teríamos dúvidas em desconfiar de um propósito ambientalista nas indústrias mais poluentes do planeta, no entanto, hoje em dia damos por garantida a ideia de que qualquer produto ou serviço pode ter objetivos de sustentabilidade, mesmo que sejam em si mesmo parte das mega-indústrias que põem em causa a própria ideia de sustentabilidade ambiental do planeta.
Li há cerca de dois anos um artigo do jornalista e ambientalista George Monbiot, intitulado: “Não vamos salvar o mundo com um novo tipo de copo de café descartável”. No entanto, ainda hoje se desenvolvem produtos “biodegradáveis” para o transporte de alimentos, que estão ainda longe de de se tornarem uma opção vulgar. Não é que não sejam necessárias alternativas mais “verdes” às embalagens e materiais que usamos diariamente, mas aquilo que encontro neste dilema é uma ideia comum a muitas outras questões sociais contemporâneas: que não estamos a fazer os progressos proporcionais aos desafios que temos pela frente. Tendo em conta os dados que temos sobre o impacto das indústrias humanas no planeta, mudar a forma como bebemos café deveria ser a prioridade e não o recipiente onde o transportamos. Não estamos a pensar o consumo como um sistema maior, de impactos macro, mas muito apenas como uma noção de escolha individual. Colocar todas as fichas da ação ambientalista climática na ação individual é só alimentar os problemas de desigualdade social que permanecem em todo o mundo. A chave da sustentabilidade ambiental tem de ser a mesma que permita sociedades mais justas e menos exploração, porque são problemas que estão profundamente interligados.
Com isto não quero dizer que a ação individual não tem valor, mas que colocar o indivíduo como consumidor nesta “luta” é menos importante que o colocar como cidadão. E aqui parece-me que está o cerne do problema: a substituição do cidadão pelo consumidor, como se todas as nossas ações em prol da comunidade apenas fossem válidas de acordo com o nosso papel de consumidores. Essa visão exclui severamente uma grande parte da população mundial que mal chegou ao estatuto de consumidor, quando mais ao de consumidor contemporâneo, informado e crítico.
Aquilo que procuro é uma alternativa a um discurso “empreendedorista” do capitalismo verde, dos “negócios” da sustentabilidade, que nos querem fazer crer que o caminho “certo” (moralmente) é o de transformar o sistema tal como o conhecemos numa versão “verde e sustentável”, quando o que me parece urgente é transformar o sistema em si e não o seu aspecto. E para isso, temos que nos envolver como cidadãos, e não apenas como consumidores, com o mundo. Aceitar que o nosso poder político existe apenas ao nível das nossas escolhas como consumidores é aceitar que apenas podemos fazer uma diferença com o dinheiro que temos no bolso.
Parece-me igualmente urgente desenvolver ideias com as quais possamos, individualmente e em comunidade, mudar estruturalmente o nosso comportamento em relação às necessidades artificiais do sistema atual, que nos coloca constantemente perante este dilema do consumo como afirmação pessoal e política. Reduzirmo-nos, como pessoas, às coisas que compramos, é tão perigoso como ignorarmos o lado político dos nossos atos de consumo.
Eu diria que, conhecermos a quem compramos, e mais que tudo, conhecermos quem produz aquilo que compramos, é o derradeiro passo para uma visão mais humanizada dos sistemas de produção de bens atuais, e só nesse caminho, de transparência, mas também de redução da escala, de produção e de consumo, no encurtamento das cadeias de produção e na construção de cadeias mais pequenas e locais, é que reside a verdadeira redenção do sistema de exploração selvagem em que se baseia a economia mundial dos dias de hoje. Basear na transparência, na localidade e na pequena-escala os objetivos de sustentabilidade de cada indústria, de cada empresa, deverá dar-nos uma ideia de sustentabilidade muito mais realista e pragmática, em vez de uma visão artificial e construída sobre uma realidade que não existe.
FILOSOFIA MANUFATURA
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Há algumas décadas atrás não teríamos dúvidas em desconfiar de um propósito ambientalista nas indústrias mais poluentes do planeta, no entanto, hoje em dia damos por garantida a ideia de que qualquer produto ou serviço pode ter objetivos de sustentabilidade, mesmo que sejam em si mesmo parte das mega-indústrias que põem em causa a própria ideia de sustentabilidade ambiental do planeta.
Li há cerca de dois anos um artigo do jornalista e ambientalista George Monbiot, intitulado: “Não vamos salvar o mundo com um novo tipo de copo de café descartável”. No entanto, ainda hoje se desenvolvem produtos “biodegradáveis” para o transporte de alimentos, que estão ainda longe de de se tornarem uma opção vulgar. Não é que não sejam necessárias alternativas mais “verdes” às embalagens e materiais que usamos diariamente, mas aquilo que encontro neste dilema é uma ideia comum a muitas outras questões sociais contemporâneas: que não estamos a fazer os progressos proporcionais aos desafios que temos pela frente. Tendo em conta os dados que temos sobre o impacto das indústrias humanas no planeta, mudar a forma como bebemos café deveria ser a prioridade e não o recipiente onde o transportamos. Não estamos a pensar o consumo como um sistema maior, de impactos macro, mas muito apenas como uma noção de escolha individual. Colocar todas as fichas da ação ambientalista climática na ação individual é só alimentar os problemas de desigualdade social que permanecem em todo o mundo. A chave da sustentabilidade ambiental tem de ser a mesma que permita sociedades mais justas e menos exploração, porque são problemas que estão profundamente interligados.
Com isto não quero dizer que a ação individual não tem valor, mas que colocar o indivíduo como consumidor nesta “luta” é menos importante que o colocar como cidadão. E aqui parece-me que está o cerne do problema: a substituição do cidadão pelo consumidor, como se todas as nossas ações em prol da comunidade apenas fossem válidas de acordo com o nosso papel de consumidores. Essa visão exclui severamente uma grande parte da população mundial que mal chegou ao estatuto de consumidor, quando mais ao de consumidor contemporâneo, informado e crítico.
Aquilo que procuro é uma alternativa a um discurso “empreendedorista” do capitalismo verde, dos “negócios” da sustentabilidade, que nos querem fazer crer que o caminho “certo” (moralmente) é o de transformar o sistema tal como o conhecemos numa versão “verde e sustentável”, quando o que me parece urgente é transformar o sistema em si e não o seu aspecto. E para isso, temos que nos envolver como cidadãos, e não apenas como consumidores, com o mundo. Aceitar que o nosso poder político existe apenas ao nível das nossas escolhas como consumidores é aceitar que apenas podemos fazer uma diferença com o dinheiro que temos no bolso.
Parece-me igualmente urgente desenvolver ideias com as quais possamos, individualmente e em comunidade, mudar estruturalmente o nosso comportamento em relação às necessidades artificiais do sistema atual, que nos coloca constantemente perante este dilema do consumo como afirmação pessoal e política. Reduzirmo-nos, como pessoas, às coisas que compramos, é tão perigoso como ignorarmos o lado político dos nossos atos de consumo.
Eu diria que, conhecermos a quem compramos, e mais que tudo, conhecermos quem produz aquilo que compramos, é o derradeiro passo para uma visão mais humanizada dos sistemas de produção de bens atuais, e só nesse caminho, de transparência, mas também de redução da escala, de produção e de consumo, no encurtamento das cadeias de produção e na construção de cadeias mais pequenas e locais, é que reside a verdadeira redenção do sistema de exploração selvagem em que se baseia a economia mundial dos dias de hoje. Basear na transparência, na localidade e na pequena-escala os objetivos de sustentabilidade de cada indústria, de cada empresa, deverá dar-nos uma ideia de sustentabilidade muito mais realista e pragmática, em vez de uma visão artificial e construída sobre uma realidade que não existe.
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